domingo, 2 de fevereiro de 2014

Befana, a Bruxa Italiana




Befana deriva do antigo grego  Epifania que significava qualquer coisa como “manifestação divina”. 
Na liturgia católica é o 12º dia depois do nascimento de Cristo, ou seja 6 de janeiro, também chamado dia dos reis. Em Itália é também o dia da Befana que é, nada mais nada menos, do que uma bruxa.

Uma bruxa velha e feia, com os vestidos e as botas rotas, que voando na sua vassoura visita todas as crianças no dia 6 de janeiro. Esperando a sua visita, as crianças penduram meias à lareira onde a bruxinha deixa os seus presentes: carvão para as crianças mal comportadas, doces para as crianças bem comportadas. São óbvias as raízes pagãs desta lenda italiana e é impressionante como sobreviveu ao longo dos tempos num país profundamente católico como Itália.

Mas não se pense que o catolicismo na bota se manifesta de modo semelhante àquele que encontramos em Portugal. Aqui, como aliás é típico em Itália, as facções dividem-se de modo feroz e muitas vezes extremista. Enquanto em Portugal o Papa e o Vaticano eram(são?) entidades praticamente míticas a quem a distância conferia quase uma aura divina (excepto para os reis e diplomatas que se viam obrigados a negociar com o papa e delegações papais), em Itália durante séculos o Papa era também um Rei (dos Estados Papais) e um guerreiro, e portanto muitas vezes o saqueador, um político corrupto, um senhor da guerra. Neste cenário, obviamente religião e Papa não andavam sempre de mãos dadas e portanto sobrevive na tradição popular uma religiosidade quase protestante, emanada directamente da Bíblia e sem passar pelo Papa, pelo Vaticano e pelas igrejas. 

Mesmo as igrejas, convém dizê-lo, são mais do povo do que do Vaticano, e o povo, já se sabe, é religioso até onde lhe convém, quando lhe convém e como lhe convém. Prosperam pelo território mitos, santos e rituais católicos não reconhecidos e até proibidos pelo Vaticano, mas felizmente nos dias que correm o poder judicial do sequazes do Papa é limitado aos confins do Vaticano (pelo menos em teoria).

Voltando à bruxinha Befana, obviamente ela não é reconhecida pela Santa Sé (deus nos livre!), o que não a impede de andar a fazer acrobacias em cima duma vassoura todos os 6 de Janeiro. Para os italianos marca o fim das festas e o voltar à vida normal. É quando recomeçam as dietas e quando os garotos voltam à escola. Reabrem as repartições e a malta volta a ler os e-mails. Mas atenção, desejar um bom dia da Befana a uma rapariga/senhora provoca risinhos irritados, é que é como dizer-lhe que ela é feia como a Befana… humor italiano.

Depois do primeiro Natal e da primeira passagem de ano (com uma pitada de febre e a ver os aristogatos com os pais), foi também a primeira Befana do Tiago. É claro que ignorando o facto de ele ter apenas 7 meses e não perceber nada do que se estava a passar, pusemos o catraio no carrinho bem agasalhado e lá fomos nós para a mítica Piazza del Campo de onde uma radical Befana desceu da Torre del Mangia em versão rapel-com-vassoura dançando pelo ar e atirando rebuçados para a multidão de miúdos (e graúdos) cá em baixo. Naturalmente o Tiago estava mais interessado em olhar para toda aquela gente aos molhos com o telefone na mão a fazer luzinhas, mas ao contrário da mãe, o Tiago nunca se lembrará da sua primeira Befana, como eu não me lembro do meu primeiro Natal. É um ritual inscrito no DNA cultural do Tiago, como o seu primeiro banho no Atlântico, ou a sua primeira viagem de avião. Para ele estas coisas nunca terão tido uma primeira vez, terão existido sempre, como a mãe, o pai e os avós. As viagens entre Itália e Portugal, a sintonização entre uma língua e outra, a pasta e o caldo verde.

Efectivamente, observar o Tiago é como ter aulas práticas de evolucionismo. Passar dos sorrisos involuntários às gargalhadas-cheias-de-vontade é como viver milhões de anos. Vê-lo a resmungar porque quer que alguém o leve a passear… e depois enquanto caminha apoiado pelas mãos vê-lo virar-se e fazer um sorriso enorme que diz: “olha p’a mim!” é evolução e magia ao mesmo tempo. 

Perder horas a observar o seu ar concentrado enquanto esmigalha um bocadito de brócolo, rir-se do modo como morde os lábios quando faz um esforço, apanhá-lo em posição de gatinhar, mas depois parar porque não sabe bem o que fazer daquilo… enfim. E depois um dia, perlimpimpim, hei-lo que faz qualquer coisa que nunca tinha feito. Apoia as mãos no vão da cama e levanta-se sozinho, levanta os braços para pedir colo, toca tambor com uma colher, abre uma gaveta, acende a luz (durante dois minutos seguidos). E depois, olha para ti e sorri, e tu pensas: porra é este o sentido da evolução, assistir a este sorriso, existir para o prolongar o mais possível. Isto é o instinto. Algo quimicamente tão forte que ninguém minimamente saudável lhe pode resistir. E sem palavras. Sem argumentos. Só aquele sorriso com a força de milhões e milhões de anos de evolução.

Vêem? É nisto que dá ser mãe, começar a falar da Befana e acabar (sempre) a falar do Tiago. Não vale a pena resistir.

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