sexta-feira, 15 de julho de 2011

O mês do Caranguejo



Talvez das coisas mais difíceis de estar longe seja estar longe. Redundante? Talvez.
Mas saber que não se pode ir àquele café, que aquele amigo precisava de um abraço e aquela amiga de uma mãozinha é duro. Não é saudade. É impotência e incapacidade de se estar onde se queria estar e fazer o que se queria fazer.
É claro que nos vai salvando o estar perto de outras coisas. Na ausência daquele café vai-se àquela livraria, a incapacidade de participar nalgumas coisas compensa-se um pouco com a participação noutras.

Escrevia um dia a Rosa Lobato Faria que os convertidos são mais precisos e entusiastas da sua nova fé. Pois eu acho que ela tinha razão, talvez porque aos convertidos falte a mecanicidade instintiva que esvazia os rituais dos seus significados. Para eles tudo tem significado e se não tem, já essa própria ausência ou incompreensão de significado é significativa. Confuso? É possível.

Ultimamente tenho pensado sobre o que esta “imigração por amor” tem significado para mim e que coisinhas tem feito mexer no meu interior. Lembro-me de uma noite fugaz no Bairro Alto em que gozava com alguém que queria “conhecer pessoas novas”. Naquele momento eu estava convencida que não queria conhecer pessoas novas, porque já “tinha” as pessoas que queria. Sim, eu sei que foi um pensamento estúpido. Sei agora. Agora que mais que nunca compreendo conscientemente o impacto estrondoso que pessoas novas – pessoas realmente novas e realmente diferentes – podem ter naquilo que somos e queremos, ou naquilo que não queremos ser e não queremos ter.
Eu por exemplo estou muito mais paciente. Por força e por imposição. A paciência é uma característica adaptativa essencial para um imigrante. Digo imigrante e não estrangeiro com convicção, porque existem muitos tipos de estrangeiros e nem todos são imigrantes. Mas eu, com perspectivas de estar aqui para sempre (não um sempre necessariamente definido no tempo cronológico, mas um sempre que para mim implica um esforço de “sentir-me em Casa”) sou plenamente uma imigrante e não apenas uma estrangeira.

Dizia que a paciência é fundamental para um imigrante: paciência para comunicar, para ser mal-compreendido, para não perceber nada de muitas coisas, para cometer erros socialmente estúpidos e não ir a correr para casa chorar, enfim, paciência. A paciência tem-me realmente sido de grande ajuda. É claro, às vezes falta, mas enfim, também é preciso paciência para os imigrantes, ou não? :-)
Também estou um bocadinho menos arrogante. Por força. Viver num país onde és uma “rapariga estrangeira muito nova” requer uma grande dose de humildade (e sim, muuuita paciência). Também porque as regras do jogo mudam REALMENTE, e tu que eras o máximo a fazer aquilo no teu país, agora és um grande nabo. Humildade. Humildade também para perceber que não se pode avaliar um jogo à luz das regras de outro jogo. Humildade sobretudo para reconhecer os próprios preconceitos e perceber que são coisas feias e erradas que se devem combater. Aqui a paciência mais uma vez dá muito jeito, principalmente com nós próprios. É sem grande orgulho que afirmo que esta experiência pôs a nu perante mim própria muitos preconceitos que tinha. É com muito orgulho que digo que faço um esforço tremendo para os combater mas devo dizer que não é fácil e que é uma luta sem fim.
 Por fim, toda esta situação me obriga a uma reflexão e re-avaliação constante daquilo que sou e posso ser e fazer no futuro. Sinto que está novamente tudo em aberto, até coisas que se calhar nunca tinha pensado antes, nada de drástico, mas em muitas coisas é como se tivesse novamente 15 anos e, noutras coisas, parece que cresci 10 anos.
O mestrado que estou  fazer obriga-me a estudar muito sobre imigração e principalmente sobre imigração ao feminino. Os estudos indicam que os imigrantes – com a família e amigos de origem – tendem a dourar a pílula, a dizer que as coisas vão melhor do que na realidade, por um lado para não os preocupar, por outro por uma questão de orgulho social. Eu gostaria de ser realista e dizer-vos que tirando os momentos difíceis (tipo hoje já que ontem fui ao dentista ) eu estou realmente bem. Por vezes sinto-me muito insegura e nervosa em relação ao futuro, mas tenho a sensação de que isto não se relaciona directamente com o viver num outro país e que desse lado sentimentos destes não faltam…