Talvez das coisas mais difíceis de estar longe seja estar
longe. Redundante? Talvez.
Mas saber que não se pode ir àquele café, que aquele amigo
precisava de um abraço e aquela amiga de uma mãozinha é duro. Não é saudade. É
impotência e incapacidade de se estar onde se queria estar e fazer o que se
queria fazer.
É claro que nos vai salvando o estar perto de outras coisas.
Na ausência daquele café vai-se àquela livraria, a incapacidade de participar
nalgumas coisas compensa-se um pouco com a participação noutras.
Escrevia um dia a Rosa Lobato Faria que os convertidos são
mais precisos e entusiastas da sua nova fé. Pois eu acho que ela tinha razão,
talvez porque aos convertidos falte a mecanicidade instintiva que esvazia os
rituais dos seus significados. Para eles tudo tem significado e se não tem, já
essa própria ausência ou incompreensão de significado é significativa. Confuso?
É possível.
Ultimamente tenho pensado sobre o que esta “imigração por
amor” tem significado para mim e que coisinhas tem feito mexer no meu interior.
Lembro-me de uma noite fugaz no Bairro Alto em que gozava com alguém que queria
“conhecer pessoas novas”. Naquele momento eu estava convencida que não queria
conhecer pessoas novas, porque já “tinha” as pessoas que queria. Sim, eu sei
que foi um pensamento estúpido. Sei agora. Agora que mais que nunca compreendo
conscientemente o impacto estrondoso que pessoas novas – pessoas realmente
novas e realmente diferentes – podem ter naquilo que somos e queremos, ou
naquilo que não queremos ser e não queremos ter.
Eu por exemplo estou muito mais paciente. Por força e por
imposição. A paciência é uma característica adaptativa essencial para um
imigrante. Digo imigrante e não estrangeiro com convicção, porque existem
muitos tipos de estrangeiros e nem todos são imigrantes. Mas eu, com
perspectivas de estar aqui para sempre (não um sempre necessariamente definido
no tempo cronológico, mas um sempre que para mim implica um esforço de
“sentir-me em Casa”) sou plenamente uma imigrante e não apenas uma estrangeira.
Dizia que a paciência é fundamental para um imigrante:
paciência para comunicar, para ser mal-compreendido, para não perceber nada de
muitas coisas, para cometer erros socialmente estúpidos e não ir a correr para
casa chorar, enfim, paciência. A paciência tem-me realmente sido de grande
ajuda. É claro, às vezes falta, mas enfim, também é preciso paciência para os
imigrantes, ou não? :-)
Também estou um bocadinho menos arrogante. Por força. Viver
num país onde és uma “rapariga estrangeira muito nova” requer uma grande dose
de humildade (e sim, muuuita paciência). Também porque as regras do jogo mudam
REALMENTE, e tu que eras o máximo a fazer aquilo no teu país, agora és um
grande nabo. Humildade. Humildade também para perceber que não se pode avaliar
um jogo à luz das regras de outro jogo. Humildade sobretudo para reconhecer os
próprios preconceitos e perceber que são coisas feias e erradas que se devem
combater. Aqui a paciência mais uma vez dá muito jeito, principalmente com nós
próprios. É sem grande orgulho que afirmo que esta experiência pôs a nu perante
mim própria muitos preconceitos que tinha. É com muito orgulho que digo que
faço um esforço tremendo para os combater mas devo dizer que não é fácil e que
é uma luta sem fim.
Por fim, toda esta situação me obriga a uma
reflexão e re-avaliação constante daquilo que sou e posso ser e fazer no
futuro. Sinto que está novamente tudo em aberto, até coisas que se calhar nunca
tinha pensado antes, nada de drástico, mas em muitas coisas é como se tivesse
novamente 15 anos e, noutras coisas, parece que cresci 10 anos.
O mestrado que estou fazer obriga-me a estudar muito sobre
imigração e principalmente sobre imigração ao feminino. Os estudos indicam que
os imigrantes – com a família e amigos de origem – tendem a dourar a pílula, a
dizer que as coisas vão melhor do que na realidade, por um lado para não os
preocupar, por outro por uma questão de orgulho social. Eu gostaria de ser
realista e dizer-vos que tirando os momentos difíceis (tipo hoje já que ontem
fui ao dentista )
eu estou realmente bem. Por vezes sinto-me muito insegura e nervosa em relação
ao futuro, mas tenho a sensação de que isto não se relaciona directamente com o
viver num outro país e que desse lado sentimentos destes não faltam…