Este é um espaço de ideias, de esboços, de pensamentos, de rascunhos, de perguntas, de deambulações mentais. Este blog não respeita e não respeitará o acordo ortográfico
terça-feira, 27 de maio de 2014
É inevitável
Já tanta gente o disse e no entanto eu tenho a ilusão de que isto é realmente único e especial.
Ver este sorriso aquece-me o coração com tanta força que receio que rebente, receio não aguentar. Não há nada no mundo que valha mais do que este sorriso, do que a alegria ligeira e pura que ele descobre.
Sábado passado cantámos os parabéns ao Tiago. No meio de uma roda de gente que cantava ele olhava-nos admirado "quem são estes?", "que múscia é esta?", sabe-se lá o que ele pensava. Mas quando acabou a canção e vieram as palmas, o entusiasmo do Tiago foi embriagante, ria com todas as partes do corpo, olhava para todos, batia palmas ele também. Talvez naquele momento o meu pequenino se tenha sentido o centro do mundo, um mundo alegre e musical. Não sei quantas vezes voltará a ter sensações semelhantes, mas eu desejo profundamente que tenha tantas tantas.
Ri para sempre pequenino.
terça-feira, 13 de maio de 2014
Identidade Metamorfoseada
Visto que às vezes sou uma mãe-a-tempo-inteiro e outras vezes uma
desempregada (depende da disposição do dia), resolvi pôr-me a
fazer formação, daquela de voluntariado que não se paga, entenda-se.
Aqui há uns meses comecei uma formação para poder ser uma
operadora voluntária de um centro de acolhimento e acompanhamento para mulheres
vítimas de violência doméstica. Parece interessante, não é? Pois, mas foi um
flop e não passou disso mesmo, aparências. Para tirar o gosto amargo da boca
inscrevi-me noutro curso organizado por uma grande associação de voluntariado
italiana (ARCI) (há pessoas que nunca aprendem, já dizia o meu pai que eu bem
me podia queimar na frigideira, mas voltava sempre lá com o dedito). O tema
prometia: universos diferentes, e cada módulo era dedicado a um tipo de
diversidade ou minoria se preferirem. Há sessões mais interessantes e outras
menos, mas regra geral o curso era aquilo que eu precisava: inputs
interessantes, dados por pessoas interessantes e competentes e um grupo de
trabalho muito heterogéneo e estimulante. A última sessão foi sobre a homofobia
nos meios de comunicação e na linguagem, e a nossa formadora era uma
jornalista, lésbica e activista LGBT (espero ter metido as letrinhas na ordem
correcta, se não, desculpem lá). Às tantas vamos precisamente bater naquela
tecla LGBT que me chateia, a cena da “orientação”, e eu pergunto “e se fosse
uma escolha, era um problema?”, “sim, porque podia ser reversível”, “e então”
pergunto eu “as escolhas reversíveis minoritárias merecem menos direitos do que
as cenas “naturais”?”. A tipa era inteligente, mas não percebeu à primeira,
então dei um exemplo: “tipo, eu sou estrangeira, e se a vossa retórica passar,
a malta chunga pode-me dizer que eu sou estrangeira porque quero e portanto
devia voltar ao meu país, e já não ser estrangeira”. A tipa olha-me e respira. “
Mas ser gay faz profundamente parte da minha identidade, é uma cena intrínseca”.
Eu respondo “desde que sou estrangeira, esse é um traço que entrou
profundamente na minha identidade, apesar de ter sido uma escolha, é
irreversível, e mesmo que fosse reversível eu tenho o direito de não revertê-la
a não ser por uma outra escolha minha, ou não”. Eu já estava pronta para que a
tipa me mandasse passear, mas ela respirou outra vez e disse: “tens razão,
convenceste-me”. Fiquei sem palavras. Pensei “gosto de ti”, mas não disse nada,
há coisas que não se dizem.
Mas fui para casa remoer, porque naquele bate-papo
verbalizei uma coisa sobre a qual ainda não tinha reflectido de modo tão claro.
Desde que vim para Itália, a minha identidade, o meu Eu, mudou de forma
profunda e irreversível. Sou a mesma Carina de sempre, mas com uma identidade
nova. Foram quatro as minhas novas aquisições identitárias, a primeira foi o
ser Estrangeira. Não ser italiana, não partilhar com a maioria dos habitantes
uma língua-mãe, memos culturais, uma história e um passado.
Não ter ouvido as
mesmas canções de crianças, não fazer a mínima ideia de que raio estão a falar quando
falam de TV ou música, ouvir as músicas que eles ouvem sem lhes dar a
configuração cultural e emotiva que eles lhes dão… cada vez que se fala em
qualquer coisa pensar (isso é aqui), morder
a língua 10 vez ao dia para não dizer frases que comecem por “no meu
país” (porque na verdade… who cares?)
A minha segunda aquisição identitária foi uma nova ideologia
pedagógica, sobre isto talvez poderei falar noutra deambulação (porque merece
uma deambulação toda para si), mas trabalhar com um certo grupo de pessoas
mudou radicalmente a minha forma de ver a criança e a educação, e sendo estas
coisas tão importantes para mim, metamorfoseou partes importantes da minha
identidade de uma forma que nunca tinha pensado ser possível.
A terceira foi a minha consciência de ser mulher – parece ridículo
e absurdo, não é? É claro que eu sempre soube que sou mulher, mas ter
consciência do que o ser mulher faz com que eu seja eu, essa consciência eu não
tinha. Mérito de uma turma do mestrado de género e intercultura que acompanhou
por um longo percurso de “masturbações mentais” (ups… esta palavras pode-se
dizer não pode?).
Obviamente a quarta coisa a mudar-me profundamente foi o ser
mãe – não podia deixar passar este cliché, pois não? Mas não vou enumerar as vantagens
de ser mãe, nem os grandes sacrifícios que faço pelo meu filho e pela minha
família (oh… coitadinha de mim), não. O que mudou foi que não era mãe e agora
sou. Agora existe alguém que conta mais para mim do que eu própria (muito
bonito, não é? Acho que até o Papa Francisco ia gostar). Agora vejo o mudo com
outro óculos. Agora cada vez que entro num sítio o meu olhar parece um radar
super sónico a detectar possíveis perigos, só para dar um exemplo. O que mudou
em mim o ser mãe? Foi deixar de ser a actriz principal da minha própria vida.
Parece uma cena horrível, não é? Mas é mesmo assim. Às vezes parece mesmo um
bocadinho horrível, ou melhor, assustador, mas a natureza proveio-nos com a necessária
quantidade de hormonas para que a coisa seja confortavelmente suportável e até
desejável, tipo quando estamos apaixonados e fazemos uma porrada de parvoíces
que depois pensamos “mas como é que eu pude fazer aquela cena?” estão a ver?
Pois, na maternidade não há um “depois” :-)
Nada mau. Se os próximos quatro anos forem tão psiquicamente
intensos como os últimos… venham daí! Até lá: work in progresso!
Baci
Carina
Subscrever:
Mensagens (Atom)