A rotina é uma coisa muita chata, seja onde for. Mesmo em
Itália e mesmo quando se decidiu “largar tudo” para começar algo de novo, algo
grande e bom, é certo, mas sempre rotineiro.
As aulas de gramática, por exemplo, são bastante chatas,
bastante para não dizer mais, para ser educada e optimista. A verdade é que
estar numa turma com 20 outros estrangeiros que fazem perguntas que achamos
estúpidas (esta é a síndrome do estudante, ou pelo menos a síndrome da
estudante Carina Rino, que acha que todas as perguntas – ou quase - são estúpidas),
que lêem a passo de lesma com uma pronúncia entre o engraçada e o ridícula
acaba eventualmente por ser realmente muito chato – noioso – diria um italiano (gosto deste conceito de dare noia).
De qualquer modo um estrangeiro acaba fatalmente por entrar numa rotina,
ainda que se um pouco fora do normal, sempre rotineira – passo o pleonasmo. Por
exemplo, explicar que embora seja portuguesa não falo espanhol é já automático
(a explicação depois pode seguir diversos caminhos, conforme o interlocutor).
Também arranjei uma forma mais ou menos breve e sintética de explicar às
pessoas como é que vim cá parar (na verdade a maioria não quer realmente saber,
por isso opto por respostas curtas e semi-engraçadas, que fazem sorrir um
bocadinho e ajudam a quebrar o gelo). Parece vulgar, mas não me foi fácil
descobrir a fórmula certa. Depois há ainda o problema de explicar o que é que
se está a fazer, felizmente a maioria dos italianos contenta-se com um “por
agora estou a aprender italiano”, é uma resposta muito útil e que também
facilmente pode ser usada como ponto de partida para uma pequena conversa vazia
mas socialmente interessante. A pergunta “de onde és em Portugal” é um pouco
difícil e tive que fazer várias experiências, porque a maioria dos poucos
italianos que conhecem Portugal conhecem Lisboa, e uns poucos iluminados já
tiveram uma experiência inesquecível no Porto. Ao princípio explicava que era
de uma cidade a 100Km a norte de Lisboa. Bom, muito vago e abstracto, e as
expressões faciais italianas eram bastante claras: não era uma resposta
interessante. Depois de algumas experiências mais ou menos de sucesso, parece
que descobri a fórmula mágica: Leiria, uma cidade ao pé de Fátima. E pronto,
heis que o esperado sorriso de compreensão se ilumina. Muitos na verdade não são
capazes de identificar geograficamente a terra dos três pastorinhos, mas quase
todos conhecem a referência e conhecem alguém que já lá tenha ido. Boa, mais 10
minutos de conversa.
Uma coisa muito boa de viver num país novo, é que há muitas
terras e cidades novas para visitar (imagine-se Itália), a coisa má é que é
muito provável não possuir roupa adequada a esses belos sítios novos, a outra
coisa boa é que se tem uma desculpa absolutamente válida para comprar roupa
nova. Eu por exemplo descobri em Trento (sim, onde foi o famoso concílio) que
não tenho roupa adequada para a neve, e descobri-o da forma mais agradável
possível: passando um frio descomunal e chegado a casa com dois pares de meias
e um par de botas encharcados, e estatelando-me no chão pomposa mas
elegantemente. Além de conhecer coisas novas e ter boas desculpas para comprar
roupa nova, para uma portuguesa passar dois dias numa cidade onde neva
continuamente é tão lindo tão lindo que uma pessoa se sente disposta a passar
um bocadinho de frio e a fingir que é um pinguim. Os postais ganham vida, e
cada árvore parece uma viagem ao mundo das fadas infantil. Além disso neste
sítio fresquinho descobrimos um cervejaria com ÓPTIMA cerveja e com umas belas
e saborosas salsichas. Sim, é verdade que Trento faz quase fronteira com a
Áustria, mas é indiscutivelmente italianíssima. Afinal, os italianos têm boa
cerveja e salsichas, têm muita neve e roupa quentinha, mercadinhos de Natal
maravilhosos (onde o cheiro a queijo é absolutamente inebriante).
Suspeito que ainda tenho muito por descobrir neste país de
coisas estranhas, onde as pessoas se embriagam, não com cerveja ou vodka
traçada, mas com vinho de altíssima qualidade. Gosto.
Até breve