quarta-feira, 16 de janeiro de 2013

O Ano da Serpente



Parece que o ano da serpente é um ano imprevisível. Parece-me um óptimo mote para este enigmático 2013 que globalmente parece desastroso e assustador, pode ser que ao menos as nossas vidas privadas nos tragam as delícias que nos permitirão ter energia para enfrentar as vicissitudes que nos aguardam.

Estou há dois anos e meio em Itália, menos de um décimo da minha vida, e contudo neste momento a minha vida só parece fazer sentido aqui. Creio ter superado muitos dos medos que trouxe na bagagem, o mais forte certamente era aquela sensação de abandono, de expatriada, exilada. Agora sei que é o fluxo imparável do tempo que nos faz perder algumas coisas, não o mudar de casa, de cidade, de país ou de mundo. Também sei que sou o tipo de pessoa em cujo sangue corre uma grande quantidade de nostalgia, mais ou menos concentrada, é uma droga a que me sou habituada, e aprendi a saborear a sua doce presença, a não sofrer dos seus efeitos. Curiosamente, sinto-me muito menos nostálgica do que esperava. A curiosidade, o nervoso miudinho (lembram-se das noites sem dormir antes das visitas de estudo..?) e a grande excitação pelo devir suplantam em larga medida todo o tipo de receios, nostalgias e pequenos retalhos de passado perdidos. Não sei se estou pronta, mas estou desejosa.
Aqui e agora, neste país onde o tudo e o nada tomam café ao mesmo balcão, eu estou a viver uma experiência que é absolutamente sopra-nacional e que me recorda intensamente a minha condição biológica de fêmea e aquela cultural de mulher – donna. Agora é isto que sou: um forno, um útero uma-fazedora-de-vida. Nunca a minha formação científica me preparou para a experiência mística que seria o estar grávida (é verdade que tendo a transformar experiências concretas em experiências místicas, mas nunca tinha chegado a estes níveis!). De improviso o meu corpo muda do dia para a noite (faz-me pensar nas mudanças traumáticas da adolescência, quando gostarias de esconder um segredo mas o teu corpo teima em expô-lo escandalosamente à luz do dia): a barriga é claramente a mudança mais óbvia, depois uma vasta gama de movimentos tornam-se proibidos já que resultam em dores terríveis em músculos nunca antes descobertos; alguns atributos femininos crescem a par com a barriga (ok, são bem-vindas algumas compensações). Um dia acordo e…. onde está o meu umbigo que tanto trabalho deu à minha avó para que viesse assim perfeitinho? Eis-me entretida com estas pequenas variações mais ou menos divertidas quando…. Primeiro não acreditei. Depois duvidei. E depois tive a certeza e se não chorei foi por pouco – palavra de honra que nunca tinha ficado tão contente por alguém me dar um pontapé!! E heis aqui a magia da coisa, a real e concreta verdade da banalidade: o processo mais natural e banal do mundo tem a força de me catapultar para uma viagem absolutamente mágica sem precedentes: um ser humano cresce dentro do meu corpo! Não só cresce como se mexe e eu o posso sentir! É claro que agora percebo melhor aquele sentimento de possessão que tantas mães sentem em relação aos filhos (sim sim, absolutamente uma coisa a combater), parece-me natural que seja uma confusão óbvia!
Enfim. Magia à parte a verdade é que o meu novo estado está-se realmente a tornar parte de mim. Até porque é a primeira grande experiência que me liga a Itália sem comparações possíveis com Portugal, afinal, nunca estive grávida em Portugal. Todas as mitologias, procedimentos, dinâmicas culturais relacionados com a gravidez são para mim aquelas italianas, e devo dizer que a experiência está a ser muito positiva. O sistema de acompanhamento funciona bem, os serviços são eficazes e tendencialmente gratuitos, os profissionais são humanos e presentes. A cultura italiana – por vários motivos nem todos positivos – é uma cultura de exaltação da maternidade, e portanto neste momento sou uma princesa-temporária. É claro, chovem os conselhos não pedidos e as sugestões, mas já aprendi a não irritar-me terrivelmente com isso, também já começo a gostar dos diálogos não autorizados com a minha barriga e já nem me chateiam muito as mãos imediatamente pousadas na barriguinha, afinal, o filho não é só meu, é da comunidade, e esta é a minha primeira lição de pré-mamã.
Bom ano da Serpente!