Este é um espaço de ideias, de esboços, de pensamentos, de rascunhos, de perguntas, de deambulações mentais. Este blog não respeita e não respeitará o acordo ortográfico
domingo, 20 de janeiro de 2013
quarta-feira, 16 de janeiro de 2013
O Ano da Serpente
Parece que o ano da serpente é um ano imprevisível.
Parece-me um óptimo mote para este enigmático 2013 que globalmente parece
desastroso e assustador, pode ser que ao menos as nossas vidas privadas nos
tragam as delícias que nos permitirão ter energia para enfrentar as
vicissitudes que nos aguardam.
Estou há dois anos e meio em Itália, menos de um décimo da
minha vida, e contudo neste momento a minha vida só parece fazer sentido aqui.
Creio ter superado muitos dos medos que trouxe na bagagem, o mais forte
certamente era aquela sensação de abandono, de expatriada, exilada. Agora sei
que é o fluxo imparável do tempo que nos faz perder algumas coisas, não o mudar
de casa, de cidade, de país ou de mundo. Também sei que sou o tipo de pessoa em cujo
sangue corre uma grande quantidade de nostalgia, mais ou menos concentrada, é
uma droga a que me sou habituada, e aprendi a saborear a sua doce presença, a
não sofrer dos seus efeitos. Curiosamente, sinto-me muito menos nostálgica do
que esperava. A curiosidade, o nervoso miudinho (lembram-se das noites sem
dormir antes das visitas de estudo..?) e a grande excitação pelo devir suplantam
em larga medida todo o tipo de receios, nostalgias e pequenos retalhos de
passado perdidos. Não sei se estou pronta, mas estou desejosa.
Aqui e agora, neste país onde o tudo e o nada tomam café ao
mesmo balcão, eu estou a viver uma experiência que é absolutamente
sopra-nacional e que me recorda intensamente a minha condição biológica de
fêmea e aquela cultural de mulher – donna. Agora é isto que sou: um forno, um
útero uma-fazedora-de-vida. Nunca a minha formação científica me preparou para
a experiência mística que seria o estar grávida (é verdade que tendo a transformar
experiências concretas em experiências místicas, mas nunca tinha chegado a
estes níveis!). De improviso o meu corpo muda do dia para a noite (faz-me
pensar nas mudanças traumáticas da adolescência, quando gostarias de esconder um
segredo mas o teu corpo teima em expô-lo escandalosamente à luz do dia): a
barriga é claramente a mudança mais óbvia, depois uma vasta gama de movimentos
tornam-se proibidos já que resultam em dores terríveis em músculos nunca antes
descobertos; alguns atributos femininos crescem a par com a barriga (ok, são
bem-vindas algumas compensações). Um dia acordo e…. onde está o meu umbigo que
tanto trabalho deu à minha avó para que viesse assim perfeitinho? Eis-me entretida
com estas pequenas variações mais ou menos divertidas quando…. Primeiro não
acreditei. Depois duvidei. E depois tive a certeza e se não chorei foi por
pouco – palavra de honra que nunca tinha ficado tão contente por alguém me dar
um pontapé!! E heis aqui a magia da coisa, a real e concreta verdade da
banalidade: o processo mais natural e banal do mundo tem a força de me catapultar
para uma viagem absolutamente mágica sem precedentes: um ser humano cresce
dentro do meu corpo! Não só cresce como se mexe e eu o posso sentir! É claro
que agora percebo melhor aquele sentimento de possessão que tantas mães sentem
em relação aos filhos (sim sim, absolutamente uma coisa a combater), parece-me
natural que seja uma confusão óbvia!
Enfim. Magia à parte a verdade é que o meu novo estado
está-se realmente a tornar parte de mim. Até porque é a primeira grande
experiência que me liga a Itália sem comparações possíveis com Portugal,
afinal, nunca estive grávida em Portugal. Todas as mitologias, procedimentos,
dinâmicas culturais relacionados com a gravidez são para mim aquelas italianas,
e devo dizer que a experiência está a ser muito positiva. O sistema de
acompanhamento funciona bem, os serviços são eficazes e tendencialmente
gratuitos, os profissionais são humanos e presentes. A cultura italiana – por vários
motivos nem todos positivos – é uma cultura de exaltação da maternidade, e
portanto neste momento sou uma princesa-temporária. É claro, chovem os
conselhos não pedidos e as sugestões, mas já aprendi a não irritar-me
terrivelmente com isso, também já começo a gostar dos diálogos não autorizados
com a minha barriga e já nem me chateiam muito as mãos imediatamente pousadas
na barriguinha, afinal, o filho não é só meu, é da comunidade, e esta é a minha
primeira lição de pré-mamã.
Bom ano da Serpente!
Subscrever:
Mensagens (Atom)