Há pouco tempo uma amiga escreveu-me regozijando-se por eu
estar a viver uma gravidez serena, quando para ela a gravidez era uma espécie
de metamorfose violenta. A ideia de gravidez violenta despertou em mim – em pleno de estado de graça – uma
aversão imediata, e escrevi-lhe dizendo-lho. A sua resposta foi simples e
iluminada: a violência era aquela do determinismo biológico, das mudanças
impostas ao organismo e do sofrimento físico que às vezes acarretam, sem
necessária interferência na dimensão psico-emotiva da gravidez que permite
sofrer essas alterações como, precisamente, um estado de graça. Tem razão esta
minha amiga.
É claro que todas estas metamorfoses físicas, por si são,
são profundamente violentas, e que dizer do parto, momento extremo de dor (ao
natural suportável apenas graças à produção de analgésicos naturais) onde um
corpo estranho a nós é expulso no meio de uma grande mistela confusa de
líquidos corporais.
Eu irei mais longe. A gravidez acarreta também outras formas
de violência para a mulher, a mudança da forma do corpo, a imposição social
fortíssima para seguir certas regras de comportamento que são associadas ao
novo estatuto de futura mãe (desafio-vos a encontrar um belo vestido sexy
pré-mamã…), a exclusão – verdadeira ou percetiva – do mundo das “desejáveis”
(credo que a sigla MILF não se aplique a mulheres grávidas…), o receio da
mudança da relação com o companheiro, a pausa quase sempre forçada no procurar
uma evolução profissional (felizmente este problema é amenizado para aquelas
que já possuam um certo tipo de trabalho estável), enfim. Poderia continuar,
mas depois corria o risco de soar demasiado pessimista, quando na verdade não o
sou. Aliás. A coisa verdadeiramente incrível desta violência da gravidez contra
a mulher é precisamente a possibilidade de não a sofrer de todo como uma
violência, mas como uma bênção, se certas condições estiverem reunidas.
Um mês depois desta conversa virtual – e acabadinha de
chegar ao terceiro trimestre - apesar de me manter sempre neste abençoado
estado de graça, a gravidez torna-se efectivamente mais violenta. Passaram as
más disposições e o sono extremo do primeiro trimestre, mas o peso começa a
pesar. O corpo não pode ser simplesmente comandado cerebralmente, tem que ser
manobrado. A ciática torna-se presente, as pequenas maleitas devem ser
pacientemente toleradas ou remediadas a chás e infusões.
Apesar de tudo não falta a energia para pensar em projectos
futuros e começar projectos novos. Os ritmos têm que ser calibrados de modo
mais cuidadoso (distância e qualidade das refeições, quantidade de água bebida,
tempo aproximado até à casa-de-banho mais próxima) mas suponho que de aqui em
diante esta será uma constante na minha vida: fazer as mesmas coisas e novas
coisas de modo diferente.
O tempo aproxima-se e uma certa ansiedade infantil
mistura-se com a inevitável nostalgia pela vida que deixo para trás, nostalgia
que me segue com o seu séquito de
receios e pequenos medos em relação aos vizinhos mares nunca antes
navegados. Faço esta viagem em boa companhia – é um verdadeiro trabalho de
equipa – e esta segurança faz-me andar em frente de modo decidido e entusiasta.
Hoje inicia o terceiro trimestre. Os últimos três meses da
minha vida anterior, e daqui a três meses – com o parto que avirá – nascerá seguramente
uma nova Carina, estou literalmente a preparar-me para parir um novo Eu (com ou
sem epidural logo se verá) e a sensação é parecida àquele nervoso miudinho e
excitado que senti no topo do Etna. Agora mais do que nunca sinto fisicamente o
tempo a escorregar-me por entre os dedos como areia fina e quente e sei que é
um fluxo que não se pode parar. É preciso aprender rapidamente a fazer sand-board e cavalgar este rio areoso de
tempo. Não é fácil com uma barriga deste tamanho manter o equilíbrio, mas
também não é fácil acreditar que nos próximos três meses o garoto-feijão que
trago dentro de mim crescerá cerca de 20cm e aumentará cerca de 2,5Kg (tudo
médias) e contudo… o meu corpo está em piloto automático e eu estou às suas
ordens.
So…. Here we go!