quarta-feira, 20 de fevereiro de 2013

Gravidez Violenta



Há pouco tempo uma amiga escreveu-me regozijando-se por eu estar a viver uma gravidez serena, quando para ela a gravidez era uma espécie de metamorfose violenta. A ideia de gravidez violenta despertou em  mim – em pleno de estado de graça – uma aversão imediata, e escrevi-lhe dizendo-lho. A sua resposta foi simples e iluminada: a violência era aquela do determinismo biológico, das mudanças impostas ao organismo e do sofrimento físico que às vezes acarretam, sem necessária interferência na dimensão psico-emotiva da gravidez que permite sofrer essas alterações como, precisamente, um estado de graça. Tem razão esta minha amiga.
É claro que todas estas metamorfoses físicas, por si são, são profundamente violentas, e que dizer do parto, momento extremo de dor (ao natural suportável apenas graças à produção de analgésicos naturais) onde um corpo estranho a nós é expulso no meio de uma grande mistela confusa de líquidos corporais.
Eu irei mais longe. A gravidez acarreta também outras formas de violência para a mulher, a mudança da forma do corpo, a imposição social fortíssima para seguir certas regras de comportamento que são associadas ao novo estatuto de futura mãe (desafio-vos a encontrar um belo vestido sexy pré-mamã…), a exclusão – verdadeira ou percetiva – do mundo das “desejáveis” (credo que a sigla MILF não se aplique a mulheres grávidas…), o receio da mudança da relação com o companheiro, a pausa quase sempre forçada no procurar uma evolução profissional (felizmente este problema é amenizado para aquelas que já possuam um certo tipo de trabalho estável), enfim. Poderia continuar, mas depois corria o risco de soar demasiado pessimista, quando na verdade não o sou. Aliás. A coisa verdadeiramente incrível desta violência da gravidez contra a mulher é precisamente a possibilidade de não a sofrer de todo como uma violência, mas como uma bênção, se certas condições estiverem reunidas.

Um mês depois desta conversa virtual – e acabadinha de chegar ao terceiro trimestre - apesar de me manter sempre neste abençoado estado de graça, a gravidez torna-se efectivamente mais violenta. Passaram as más disposições e o sono extremo do primeiro trimestre, mas o peso começa a pesar. O corpo não pode ser simplesmente comandado cerebralmente, tem que ser manobrado. A ciática torna-se presente, as pequenas maleitas devem ser pacientemente toleradas ou remediadas a chás e infusões.
Apesar de tudo não falta a energia para pensar em projectos futuros e começar projectos novos. Os ritmos têm que ser calibrados de modo mais cuidadoso (distância e qualidade das refeições, quantidade de água bebida, tempo aproximado até à casa-de-banho mais próxima) mas suponho que de aqui em diante esta será uma constante na minha vida: fazer as mesmas coisas e novas coisas de modo diferente.
O tempo aproxima-se e uma certa ansiedade infantil mistura-se com a inevitável nostalgia pela vida que deixo para trás, nostalgia que me segue com o seu séquito de  receios e pequenos medos em relação aos vizinhos mares nunca antes navegados. Faço esta viagem em boa companhia – é um verdadeiro trabalho de equipa – e esta segurança faz-me andar em frente de modo decidido e entusiasta.
Hoje inicia o terceiro trimestre. Os últimos três meses da minha vida anterior, e daqui a três meses – com o parto que avirá – nascerá seguramente uma nova Carina, estou literalmente a preparar-me para parir um novo Eu (com ou sem epidural logo se verá) e a sensação é parecida àquele nervoso miudinho e excitado que senti no topo do Etna. Agora mais do que nunca sinto fisicamente o tempo a escorregar-me por entre os dedos como areia fina e quente e sei que é um fluxo que não se pode parar. É preciso aprender rapidamente a fazer sand-board e cavalgar este rio areoso de tempo. Não é fácil com uma barriga deste tamanho manter o equilíbrio, mas também não é fácil acreditar que nos próximos três meses o garoto-feijão que trago dentro de mim crescerá cerca de 20cm e aumentará cerca de 2,5Kg (tudo médias) e contudo… o meu corpo está em piloto automático e eu estou às suas ordens.
So…. Here we go!

sábado, 9 de fevereiro de 2013

Novos Sentidos



Às 24 semanas o pirulito já é capaz de ouvir grande parte dos sons mais graves. Naturalmente a voz da mãe é a primeira a ser reconhecida. Parece que o reconhecimento não é só unicamente sonoro, mas que a própria língua da mãe – ou melhor, os sons mais repetidos da língua materna, começam a ser identificados e processados mais rapidamente (nesta fase começa também a desenvolver-se a memória). Alguns estudos parecem demonstrar que quando uma criança nasce é capaz de distinguir praticamente todos os sons de todas as línguas, o que faz sentido se traduzirmos esta capacidade no potencial para poder falar correctamente qualquer língua existente. Ao longo da aprendizagem o cérebro é treinado para reconhecer ao pormenor os diversos sons da língua materna e perde a capacidade para reconhecer aqueles inexistentes na própria língua materna. Trocando isto por miúdos, é um bom momento para começar a falar tanto com a barriga (o que pode ser muito estranho!)! Como eu passo a vida a falar italiano, penso que uma boa alternativa também poderá ser aquela de ouvir muita música cantada em português, não sei se funciona, mas é um exercício muito giro! Uma coisa que me agrada muito é que tenho tido muita vontade de rir, como se as gargalhadas me saíssem com mais facilidade do que o normal, e adoro a ideia deste pequenito aconchegado nesta piscina de água quente dentro de mim que cresce ao som de gargalhadas, conversas italianas e música portuguesa, será certamente falador, alegre e com uma boa pitada de poeta luso!

Um outro sentido que se desenvolve muito nesta fase é o paladar do catraio. Para treinar a respiração, ele vai engolindo pequenas porções do líquido amniótico que tem um sabor determinado pela dieta da mãe. É provável que isto comece a moldar as suas futuras preferências de gosto e talvez explique em parte esta recente vontade da mãe em comer (e cozinhar!) mais pratos de sabor português. O pai queixa-se que a mãe não come alcachofras (credo que horror, quem é que come aquilo???) e assim o feijão nunca se habituará a este maravilhoso (???)  vegetal rico em não sei que coisa… é caso para dizer, paciência! E depois a alcachofra tem uma história mitológica nada inspiradora e um nome igualmente desinteressante. Na minha opinião de mulher-grávida-futura-mamã-e-que-portanto-tem-sempre-razão é melhor esperar que floresça porque as flores – que vão do lilás ao roxo – ficam muito bem como centro de mesa :-D

A vida do dia a dia corre tranquila entre trabalhitos, divagações grávidas, passeios e estudo de italiano. Não sei se era claro, mas recomecei a ter aulas de italiano, a ideia é subir francamente a minha competência linguística seja a nível escrito seja ao nível do uso profissional-formal da língua. É um desafio cansativo visto que eu já estava confortavelmente acomodada na fase “toda a gente me compreende e diz que falo bem, portanto tasse”, e já tinha o cérebro programado para saltar as pequenas incompreensões. Agora tive que dar alguns passos atrás e voltar a prestar muita atenção aos erros, Às incorreções e às coisas não percebidas. É um processo bastante cansativo e um pouco frustrante (é muito mais relaxante ser a tipa estrangeira que fala bem apesar das gafes) mas ao mesmo tempo é estimulante sentir os progressos e o nível da língua a crescer – apesar de serem progressos francamente mais lentos  graduais do que no princípio.

Por agora é tudo (já foi produtiva esta longa hora de insónia…), volto para o meu vale de lençóis e almofadas e abraço-vos a todos e todas com muita força.

Até breve!
Carina Rino