sábado, 20 de novembro de 2010

Não há duas sem três



Pois, já lá vão três meses de Itália.
Tenho a dizer-vos que faço uma bela vida. Depois de trabalhar que nem uma louca os últimos anos, esta vidinha de estudante-universitária-em-lua-de-mel sabe-me a ginjas. De manhã aulas de italiano (credo, acho que me tinha esquecido de quão seca é ser aluno!), depois uma pasta ou uma pizza, um pouco de sol se houver, ou então estuda-se, passeia-se ou sei lá, coisas. A língua já dá para muita coisa, e no dia-a-dia já não é tanto um empecilho, agora começo a trabalhar a língua de alto nível, ensaios, literatura, etc. Também trabalho a pronúncia porque me começa a chatear que me perguntem sempre se sou espanhola ou sul americana.

É giro estar numa turma internacionalíssima e descobrir esta cidade que parece submersa em brumas medievais com um grupo de americanas, taiwanesas, chinesas e japoneses, ocasionalmente uma espanhola e uma georgiana.

No fundo, acabo por estar sempre ocupada, gerir a vida social de um casal não é para meninos, e embora noitadas não existam, os dias são longos e bem preenchidos, frequentemente bem regados e condimentados. Por falar em beber, um amante de cerveja passa um mau bocado em Itália. Esta malta dá no vinho e nos coktails, mas a cerveja é dividida (tipo suminho!), bebida não poucas vezes em copo de água e, pasmem-se, regularmente morta – conceito aliás que não existe em Itália. Naturalmente isto cria algumas situações engraçadas, tipo procurar copos de cerveja para ter em casa (não é fácil, e esqueçam os copos de fino, que simplesmente não há), à pergunta “quer uma cerveja de pressão” responder: “depende, que tipo de copos é que tem?”. Enfim. Vai-se bebendo vinho siciliano, que escorrega que é uma maravilha, embora seja difícil dizer não a um toscano persistente e encorpado, quem diria.

Além da cerveja, um dos pontos fracos de Itália como seguramente sabem é a política. Aqui consome-se política como os portugueses consomem José Castelo-Branco e Lili Caneças, é uma forma completamente diferente da nossa de olhar para a política que ainda não consegui compreender. Parece-me que se relaciona com algumas cisões profundas que existem em Itália, ódios regionais, problemas mal resolvidos, uma história de violência incrível que semeia um medo abismal no coração de muitos. E claro, há a máfia (vários tipos de máfia na verdade) que é como uma humidade mortal que se entranha nos ossos das pessoas, um terror que permite que se bata um homem no meio da rua e ninguém levante a cabeça, ninguém pare, ninguém olhe. De vez em quando há um presidente da câmara que diz que não a uma ameaça e depois aparece morto a tiro à porta de casa, ou num viaduto. Morto por um garoto de 20 e poucos anos contratado ou também ele ameaçado, ou, quem sabe, fascinado. Contudo algumas organizações começam a levantar a voz contra o medo. Algumas pessoas dão a cara e a vida (literalmente ou não, porque não ser morto significa viver escondido e praticamente em prisão domiciliária para toda a vida, pena estendível a toda a família). Estas pessoas são heróis obviamente amadíssimos pelos Italianos, símbolos máximos de coragem e força. Uma nova polícia especial – extremamente bem formada – começa a obter resultados impressionantes, surge pela primeira vez um mestrado sobre combate ao crime organizado. Para uma portuguesa tudo isto é estranho, irreal, ficção policial, fascinante como um abismo.

Há duas semanas fui para a apanha da azeitona e diverti-me inesperadamente muito. O fim-de-semana passado fui a Milão e adorei voltar a uma grande cidade. Milão pode não ser uma cidade linda – confirma-se – mas tem uma energia electrizante. A noite (e estamos em Novembro bem a Norte!) estava cheiíssima de gente e a diversidade de ofertas e ambientes é reconfortante e, infelizmente,  um pouco rara em Itália – país bastante ancorado às suas raízes e ao seu passado. Pontos negativos: a viagem longuíssima (5 horas num autocarro com um wc de utilização impensável), a fila de duas horas para a exposição de Salvador Dali (que ficou por ver, naturalmente) e a impossibilidade de ver a Última Ceia – com as reservas esgotadas até meados de Fevereiro. Impressionante, não?

Por fim quero apenas acrescentar que estou felicíssima, que me começo a sentir em casa e que a própria cidade me acolhe, me chama, me fascina. A praça principal (Piazza del Campo) reserva-me sempre um pouco de Sol,  a senhora do café já me sorri, o merceeiro faz conversa. O amor ajuda tantíssimo em todo este processo, e a minha alma está inchada e leve. Aquilo que me faz realmente falta – além das minhas pessoas todas – é o humor português, os trocadilhos, as ironias, as badalhoquices lindas da nossa língua, as ambiguidades, as interjeições fascinantemente profundas, a conversa da treta ritual e rítmica. Ah, e filmes na língua original, mas pelo menos, na televisão italiana há filmes ;-)