Pois, já lá vão três meses de Itália.
Tenho a dizer-vos que faço uma bela vida. Depois de
trabalhar que nem uma louca os últimos anos, esta vidinha de
estudante-universitária-em-lua-de-mel sabe-me a ginjas. De manhã aulas de
italiano (credo, acho que me tinha esquecido de quão seca é ser aluno!), depois
uma pasta ou uma pizza, um pouco de sol se houver, ou então estuda-se,
passeia-se ou sei lá, coisas. A língua já dá para muita coisa, e no dia-a-dia
já não é tanto um empecilho, agora começo a trabalhar a língua de alto nível,
ensaios, literatura, etc. Também trabalho a pronúncia porque me começa a
chatear que me perguntem sempre se sou espanhola ou sul americana.
É giro estar numa turma internacionalíssima e descobrir esta
cidade que parece submersa em brumas medievais com um grupo de americanas,
taiwanesas, chinesas e japoneses, ocasionalmente uma espanhola e uma georgiana.
No fundo, acabo por estar sempre ocupada, gerir a vida
social de um casal não é para meninos, e embora noitadas não existam, os dias
são longos e bem preenchidos, frequentemente bem regados e condimentados. Por
falar em beber, um amante de cerveja passa um mau bocado em Itália. Esta malta
dá no vinho e nos coktails, mas a cerveja é dividida (tipo suminho!), bebida
não poucas vezes em copo de água e, pasmem-se, regularmente morta – conceito
aliás que não existe em Itália. Naturalmente isto cria algumas situações
engraçadas, tipo procurar copos de cerveja para ter em casa (não é fácil, e
esqueçam os copos de fino, que simplesmente não há), à pergunta “quer uma
cerveja de pressão” responder: “depende, que tipo de copos é que tem?”. Enfim.
Vai-se bebendo vinho siciliano, que escorrega que é uma maravilha, embora seja
difícil dizer não a um toscano persistente e encorpado, quem diria.
Além da cerveja, um dos pontos fracos de Itália como
seguramente sabem é a política. Aqui consome-se política como os portugueses
consomem José Castelo-Branco e Lili Caneças, é uma forma completamente
diferente da nossa de olhar para a política que ainda não consegui compreender.
Parece-me que se relaciona com algumas cisões profundas que existem em Itália,
ódios regionais, problemas mal resolvidos, uma história de violência incrível
que semeia um medo abismal no coração de muitos. E claro, há a máfia (vários
tipos de máfia na verdade) que é como uma humidade mortal que se entranha nos
ossos das pessoas, um terror que permite que se bata um homem no meio da rua e
ninguém levante a cabeça, ninguém pare, ninguém olhe. De vez em quando há um
presidente da câmara que diz que não a uma ameaça e depois aparece morto a tiro
à porta de casa, ou num viaduto. Morto por um garoto de 20 e poucos anos
contratado ou também ele ameaçado, ou, quem sabe, fascinado. Contudo algumas
organizações começam a levantar a voz contra o medo. Algumas pessoas dão a cara
e a vida (literalmente ou não, porque não ser morto significa viver escondido e
praticamente em prisão domiciliária para toda a vida, pena estendível a toda a
família). Estas pessoas são heróis obviamente amadíssimos pelos Italianos,
símbolos máximos de coragem e força. Uma nova polícia especial – extremamente
bem formada – começa a obter resultados impressionantes, surge pela primeira
vez um mestrado sobre combate ao crime organizado. Para uma portuguesa tudo
isto é estranho, irreal, ficção policial, fascinante como um abismo.
Há duas semanas fui para a apanha da azeitona e diverti-me
inesperadamente muito. O fim-de-semana passado fui a Milão e adorei voltar a
uma grande cidade. Milão pode não ser uma cidade linda – confirma-se – mas tem
uma energia electrizante. A noite (e estamos em Novembro bem a Norte!) estava
cheiíssima de gente e a diversidade de ofertas e ambientes é reconfortante e,
infelizmente, um pouco rara em Itália –
país bastante ancorado às suas raízes e ao seu passado. Pontos negativos: a
viagem longuíssima (5 horas num autocarro com um wc de utilização impensável),
a fila de duas horas para a exposição de Salvador Dali (que ficou por ver,
naturalmente) e a impossibilidade de ver a Última Ceia – com as reservas
esgotadas até meados de Fevereiro. Impressionante, não?
Por fim quero apenas acrescentar que estou felicíssima, que
me começo a sentir em casa e que a própria cidade me acolhe, me chama, me
fascina. A praça principal (Piazza del Campo) reserva-me sempre um pouco de
Sol, a senhora do café já me sorri, o
merceeiro faz conversa. O amor ajuda tantíssimo em todo este processo, e a
minha alma está inchada e leve. Aquilo que me faz realmente falta – além das
minhas pessoas todas – é o humor português, os trocadilhos, as ironias, as
badalhoquices lindas da nossa língua, as ambiguidades, as interjeições
fascinantemente profundas, a conversa da treta ritual e rítmica. Ah, e filmes
na língua original, mas pelo menos, na televisão italiana há filmes ;-)