Este é um espaço de ideias, de esboços, de pensamentos, de rascunhos, de perguntas, de deambulações mentais. Este blog não respeita e não respeitará o acordo ortográfico
quinta-feira, 28 de março de 2013
Preparar posição
Faltam dois meses, a contagem decrescente agora é ritmada e
omnipresente. É difícil pensar noutra coisa além desta revolução vital dentro
da minha barriga.
Agora o pirulito está bem crescidinho, pesa 1,8 Kg (+/-
200g) e assumiu a posição “pronto-para-sair”. Prefere a zona esquerda da
barriga (um prelúdio das suas futuras escolhas políticas?) e as horas
preferidas para a brincadeira são depois de jantar e a meio da noite (um
prelúdio das futuras noites sem dormir da mãe?). O feijão agora tem tudo o que deve
ter e onde deve ter, excepto os pulmões que ainda não estão plenamente
desenvolvidos, mais três semanitas e também estes serão capaz de funcionar
autonomamente em caso de necessidade, isto é, no caso lhe dê a pressa. Na
última semana além dos movimentos sentidos por mim “de dentro”, já é possível
VER o catraio, ou seja, quando muda de posição a barriga acompanha o movimento
e assume as formas mais esquisitas. O tipo
de movimento também é mais claro e varia das “pancadinhas” a autênticas
voltinhas. O certo é que este modo novo e tão físico de estar presente provoca
em mim – e no pai – uma nova percepção em relação a esta presença – dentro de
mim está a formar-se uma nova pessoa! (enquanto escrevo levanta um bocadinho o
rabiosque e penso que estenda uma pernoca para o lado direito da barriga…) Um
ser humano que mudará para sempre o curso da minha vida e a cujo destino a
minha felicidade, vida e decisões estarão sempre ancoradas. Com ele nascerá a
minha verdadeira mortalidade povoada do seu séquito de medos e ansiedades, mas
também a minha imortalidade biológica, eu sou aqui e agora e personificação da
espécie humana, palco do mais complexo processo biológico de que há memória.
Este ser humano mudará o mundo, provavelmente em pequenas doses e em pequena
escala, mas deixará seguramente a sua marca: fará amigos, apaixonar-se-á,
cometerá erros que prejudicarão outras pessoas e terá actos de generosidade que
plantarão sorrisos. Tenho a sensação que será de riso fácil, a julgar pela
facilidade com que me rio nos últimos tempos. Esta felicidade e tranquilidade
que sinto são cruciais por vários motivos: são com certeza saudáveis para o
bebé, ajudam o pai a suportar melhor o esforço extra que deve fazer para dar
várias mãozinhas extras à mãe e permitem à mãe (sim, esta sou eu!!) suportar
com alegria o verdadeiro fardo físico em que se tornou a gravidez.
Também é um fardo pesado o novo mundo de ansiedades: serei
alguma vez capaz de mudar como deve ser uma fralda? E se tiver demasiado nojo? E
se não aprender a segurá-lo bem? E se não o puder acalmar? Vou-me conseguir
lembrar de todas as regras e regrinhas de higiene? E se me esquecer de alguma
coisa importante? E se não tiver leite? E se ele ficar doente? E se…. Parece
que já vejo o sorriso de troça das mães-efectivas: sim, tudo se aprende e tudo
será bastante natural, mas talvez os não-iniciados me compreendam um pouco
melhor – a verdade é que quando venho do curso pré-parto venho com a cabeça tão
cheia de palavras, informações e técnicas novas que tenho a certeza que nunca
conseguirei saber tudo! Ainda bem que o garoto chega com uma equipe de avós,
tios e tias espalhados pelo mundo capazes de lhe garantirem um verdadeiro
enxoval de “condões mágicos” : - D
terça-feira, 12 de março de 2013
Gravidez Pessoal – Gravidez Política
Quando se explica a um estrangeiro a diferença entre Ser e
Estar, é preciso salientar bem que em geral o verbo Ser se aplica a
características ou condições inatas, intrínsecas ou definitivas, e que o verbo
Estar se aplica a processos, situações passageiras, características mutáveis e
extrínsecas. Exemplos típicos são a diferença entre estar gordo/ser gordo ou
estar feliz/ser feliz. A gravidez, por exemplo, é um estado – uma mulher pode
estar grávida, não pode ser grávida, mas é um estado que precede uma condição
definitiva: ser mãe.
Começados os contactos regulares com outras futuras-mães e
profissionais da saúde, é fácil aperceber-se que o misticismo e ritualidade
associados a este estado estão profundamente enraizados na dimensão sócio-cultural
do ser humano. Os “mistérios femininos”, desde a menarca ao parto, estão imbuídos
de ritualismos e tabus em todas as culturas estudadas. Não é uma surpresa, como
me dizia alguém há meia-dúzia de dias, a gravidez e o parto são a última magia,
e permanecem magia não obstante a racionalização médico-científica da
experiência. Esta tendência à mistificação foi algo que me surpreendeu em mim
própria por não a esperar, mas como já escrevi anteriormente foi muito forte e
potente. Não tenho dúvidas de que o ambiente hormonal interno favorece essa
mistificação bem como toda sinergia social que se cria à volta da grávida. Quem
nunca esteve grávido não pode imaginar a corrente de simpatia e interesse que
uma grávida cria em seu redor (pelo menos em Itália). Este entusiasmo vem geralmente da parte de
pessoas que já passaram pela experiência e que, de algum modo, a revivem
através do contacto com uma “barriguinha”. Partilha de histórias, experiências
e conselhos tornam-se um momento de catarse que permite reviver a tão famigerada
experiência mística.
Infelizmente, como é natural em todos os contextos
apaixonantes, algumas pessoas não conseguem resistir à tentação do moralismo,
da doutrinação e proselitismo.
Explico.
A um certo momento da gravidez todas as futuras-mães/casais
se deparam com a pergunta – como quero que seja o meu parto? Uma pode já partir
com ideias feitas muito fortes, ou então pôr-se a estudar a indagar, pedir
conselhos a amigas e obstetras, visitar secções
de parto, etc. É claro que assim que uma pessoa forma a sua opinião e se
resolve a partilhá-la arrisca-se a ser alvo do exército das forças contrárias.
Se uma decide fazer a epidural porque não está para suportar mais do que uma
certa quota de dor, saltam-lhe logo em cima as naturalistas de serviço: não o
parto é um ritual de passagem, a dor do parto é a única fisiológica, medicalizar
desnecessariamente o parto é desumanizá-lo, apesar da dor é uma experiência mágica
, etc, etc. Ao ponto de não faltarem mães que se lamentam por esses fóruns da
rede de que a sua escolha as faz ser consideradas menos mães pela comunidade de
mães-naturais (nem sequer vou falar da cesariana…). Se por outro lado uma mãe
decide apostar no parto natural (ou seja, um parto privo de intervenções
médicas ou químicas a não ser em caso de necessidade médica) então é olhada de
lado pelas mães-científicas como uma neo-hippie com aspirações xamânicas ou
como uma conservadora decidida a parir com dor, como previa alguém há uma
carregada de anos atrás. Algumas mães
resolvem levar as suas “convicções” até à última (veja-se o caso de CarolineLovell, activista do direito ao parto-natural-em-casa e que morreu pela causa),
mas a grande maioria das comuns mortais limita-se a entrincheirar-se na sua
opinião ou a deambular ansiosamente ao sabor das diversas pressões sociais.
Pergunta: é possível que uma pessoa possa compreender que a
decisão de como parir (como tantas outras) é uma decisão pessoal, que deve
descansar e acalmar a futura puérpera e não envolve-la numa teia de stress sem
fim?
Enfim, tenho a certeza que aqueles que nunca estiveram
grávidos terão muita dificuldade em identificar-se com este “problema” um pouco
como eu quando alguém me tentava explicar o quão escandaloso era que as pessoas
confundissem publicidade com marketing. Mas a verdade é que é que quando esta
dinâmica moralizadora ou politizada do parto chega às instituições (aos
hospitais, por exemplo) pode tornar-se um verdadeiro atentado à livre escolha
da mulher que é constrangida a situações física e psicologicamente violentas
que violam o seu direito de escolha. Em Itália por exemplo, nalgumas regiões é
praticamente impossível que uma mulher consiga que lhe dêem a epidural enquanto
noutras regiões toda uma série de procedimentos clínicos são efectuados de modo
mecânico e indiscriminado – sem necessidade clínica e sem o conhecimento – ou autorização
– da mulher.
Segundo Foucault o corpo e mais precisamente o ciclo
reprodutivo da mulher é uma das áreas em que o Poder exerce preferencialmente a
sua força. Planeamento familiar, interrupção voluntária da gravidez,
fertilização assistida são áreas de intervenção do Poder (político e religioso)
sobre o corpo da mulher; e eu não sabia ma agora descobri que o Parto em si é também
um destes momentos em que a mulher pode ser despojada – à força - da sua
vontade. A mim parece-me uma violência penosa e insuportável, e gostaria que
começasse a interessar a sociedade em geral e não só aquelas pessoas que estão
a alguns meses do momento “fatídico”.
Hoje foi dia de uma reflexão mais politizada sobre a
gravidez…. mas subscrevo desde sempre Carol Hanisch e não tenho dúvidas que
nestes casos (como em tantos outros) o pessoal é político.
Saudações!
segunda-feira, 4 de março de 2013
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