Domingo 12 de Maio começam os primeiros sinais por mim
perceptíveis de que o parto se aproxima. Passo o dia em casa a experimentar as
várias posições de trabalho de parto, para mim é praticamente um jogo
experimentar as várias posições e ver como me sinto em cada uma. A barriga
parece que rebenta. Sinto-me muito vaidosa desta barrigona, lançada para a
frente como uma bandeira soberba, há um pouco de Vénus de Nilo em mim, esta
barriga faz-me sentir poderosa, apesar de já não conseguir calçar umas botas
sozinha.
Embora pesada, sinto-me excitada
e energética, com vontade de arrumar, organizar, passear; passeios curtos,
porque a minha autonomia só me permite fazer caminhadas de meia-hora, depois é
preciso repor energias.
Algo me diz que se aproxima o
grande dia, uma espécie de sensação omnipresente, mas não tenho pressa. Talvez
por não me sentir realmente pronta, talvez por sentir já uma certa nostalgia
pelo fim da gravidez que foi sem dúvida um dos períodos mais belos da minha
vida, um verdadeiro estado de graça. Sinto-me sempre assim nos momentos de
passagem, curiosa e ansiosa pelo porvir, nostálgica pelo que deixo para trás.
Na segunda volto a sentir aquelas
dores manhosas que já sei serem contracções. A médica manda-me ao hospital
fazer um exame just in case. O
serviço é de uma eficiência impressionante: em 10 minutos estou na posição
ginecológica (eufemismo para deitada-numa-cama-de-hospital-de-pernas-abertas) e
uma médica desconhecida escarunfa-me como se eu fosse um carro na sucata e ela
um mecânico com mais que fazer.
Em certos serviços de saúde não
somos mais do que maquinaria estragada, corpos desprovidos de humanidade.
Voltei a casa com boas notícias que sabiam amargas na boca: tudo ok, volta
daqui a duas semanas quando começar o “trabalho”.
Na quarta-feira abro o processo
clínico nos dois hospitais onde poderia ocorrer o parto: aquele mais “médico” e
perto de casa, e aquele mais “humano” onde se tudo corresse bem e gostaria de
escolher. Estes pequenos procedimentos burocráticos sabem-me a despedida, sinto
o meu pequenote que se gira e regira na barriga e sei que nunca mais serei
capaz de o proteger assim tanto, ao mesmo tempo sinto os seus pés que
barbatanam na parte de baixo à direita da minha barriga e não vejo a hora de os
ter na mão, dar-lhes uma trinquinha amorosa.
O meu corpo diz-me que algo está
estranho, pequenas perdas de líquido que me parecem urina – terei alguma
espécie de incontinência gestacional? O tratamento “simpático” no hospital ao
início da semana desencoraja-me de voltar ao hospital, não tenho energias para
ripostar.
Na quinta vem uma amiga de longe
a Siena, almoçamos, passeamos, e escondemo-nos da chuva comendo um gelado:
limão e café como sempre, tiramos fotos. Aquelas perdas estranhas continuam,
vamos lá outra vez ao hospital, mas ao outro, de que gosto mais, não vá o diabo
tecê-las. E já agora, vamos meter as malas no carro.
Felizmente o acolhimento das
obstetras é caloroso e com sorrisos legitima a minha preocupação: as membranas
romperam-se, felizmente pouquinho. Tenho que ficar no hospital e começam os
exames de rotina. Sinto-me descontraída e bem-disposta mesmo quando me dizem
que provavelmente terão que me induzir o parto no dia seguinte se o trabalho de
parto não começar espontaneamente. Metem-me no meu quarto que devo partilhar
com uma mãe com um neo-nato do dia anterior. O quarto ainda está cheio dos seus
parentes, e quando o meu companheiro sai para ir comprar o jantar uma ansia
terrível invade-me: acabei de me aperceber que o mandarão para casa, que
ficarei ali sozinha, e que estou para ter um filho.