terça-feira, 12 de março de 2013

Gravidez Pessoal – Gravidez Política




Quando se explica a um estrangeiro a diferença entre Ser e Estar, é preciso salientar bem que em geral o verbo Ser se aplica a características ou condições inatas, intrínsecas ou definitivas, e que o verbo Estar se aplica a processos, situações passageiras, características mutáveis e extrínsecas. Exemplos típicos são a diferença entre estar gordo/ser gordo ou estar feliz/ser feliz. A gravidez, por exemplo, é um estado – uma mulher pode estar grávida, não pode ser grávida, mas é um estado que precede uma condição definitiva: ser mãe.

Começados os contactos regulares com outras futuras-mães e profissionais da saúde, é fácil aperceber-se que o misticismo e ritualidade associados a este estado estão profundamente enraizados na dimensão sócio-cultural do ser humano. Os “mistérios femininos”, desde a menarca ao parto, estão imbuídos de ritualismos e tabus em todas as culturas estudadas. Não é uma surpresa, como me dizia alguém há meia-dúzia de dias, a gravidez e o parto são a última magia, e permanecem magia não obstante a racionalização médico-científica da experiência. Esta tendência à mistificação foi algo que me surpreendeu em mim própria por não a esperar, mas como já escrevi anteriormente foi muito forte e potente. Não tenho dúvidas de que o ambiente hormonal interno favorece essa mistificação bem como toda sinergia social que se cria à volta da grávida. Quem nunca esteve grávido não pode imaginar a corrente de simpatia e interesse que uma grávida cria em seu redor (pelo menos em Itália).  Este entusiasmo vem geralmente da parte de pessoas que já passaram pela experiência e que, de algum modo, a revivem através do contacto com uma “barriguinha”. Partilha de histórias, experiências e conselhos tornam-se um momento de catarse que permite reviver a tão famigerada experiência mística.
Infelizmente, como é natural em todos os contextos apaixonantes, algumas pessoas não conseguem resistir à tentação do moralismo, da doutrinação e proselitismo.

Explico.

A um certo momento da gravidez todas as futuras-mães/casais se deparam com a pergunta – como quero que seja o meu parto? Uma pode já partir com ideias feitas muito fortes, ou então pôr-se a estudar a indagar, pedir conselhos a amigas e obstetras, visitar  secções de parto, etc. É claro que assim que uma pessoa forma a sua opinião e se resolve a partilhá-la arrisca-se a ser alvo do exército das forças contrárias. Se uma decide fazer a epidural porque não está para suportar mais do que uma certa quota de dor, saltam-lhe logo em cima as naturalistas de serviço: não o parto é um ritual de passagem, a dor do parto é a única fisiológica, medicalizar desnecessariamente o parto é desumanizá-lo, apesar da dor é uma experiência mágica , etc, etc. Ao ponto de não faltarem mães que se lamentam por esses fóruns da rede de que a sua escolha as faz ser consideradas menos mães pela comunidade de mães-naturais (nem sequer vou falar da cesariana…). Se por outro lado uma mãe decide apostar no parto natural (ou seja, um parto privo de intervenções médicas ou químicas a não ser em caso de necessidade médica) então é olhada de lado pelas mães-científicas como uma neo-hippie com aspirações xamânicas ou como uma conservadora decidida a parir com dor, como previa alguém há uma carregada de anos atrás.  Algumas mães resolvem levar as suas “convicções” até à última (veja-se o caso de CarolineLovell, activista do direito ao parto-natural-em-casa e que morreu pela causa), mas a grande maioria das comuns mortais limita-se a entrincheirar-se na sua opinião ou a deambular ansiosamente ao sabor das diversas pressões sociais.

Pergunta: é possível que uma pessoa possa compreender que a decisão de como parir (como tantas outras) é uma decisão pessoal, que deve descansar e acalmar a futura puérpera e não envolve-la numa teia de stress sem fim?

Enfim, tenho a certeza que aqueles que nunca estiveram grávidos terão muita dificuldade em identificar-se com este “problema” um pouco como eu quando alguém me tentava explicar o quão escandaloso era que as pessoas confundissem publicidade com marketing. Mas a verdade é que é que quando esta dinâmica moralizadora ou politizada do parto chega às instituições (aos hospitais, por exemplo) pode tornar-se um verdadeiro atentado à livre escolha da mulher que é constrangida a situações física e psicologicamente violentas que violam o seu direito de escolha. Em Itália por exemplo, nalgumas regiões é praticamente impossível que uma mulher consiga que lhe dêem a epidural enquanto noutras regiões toda uma série de procedimentos clínicos são efectuados de modo mecânico e indiscriminado – sem necessidade clínica e sem o conhecimento – ou autorização – da mulher.

Segundo Foucault o corpo e mais precisamente o ciclo reprodutivo da mulher é uma das áreas em que o Poder exerce preferencialmente a sua força. Planeamento familiar, interrupção voluntária da gravidez, fertilização assistida são áreas de intervenção do Poder (político e religioso) sobre o corpo da mulher; e eu não sabia ma agora descobri que o Parto em si é também um destes momentos em que a mulher pode ser despojada – à força - da sua vontade. A mim parece-me uma violência penosa e insuportável, e gostaria que começasse a interessar a sociedade em geral e não só aquelas pessoas que estão a alguns meses do momento “fatídico”.

Hoje foi dia de uma reflexão mais politizada sobre a gravidez…. mas subscrevo desde sempre Carol Hanisch e não tenho dúvidas que nestes casos (como em tantos outros) o pessoal é político.

Saudações!

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