Apercebi-me cedo das guerras das
mães. Durante a gravidez os acesos debates esgrimiam argumentos pró e contra
epidural, cesariana ou parto natural. Dum lado as “pró-parto sem dor” e do
outro “let’s do it natural”. Em vez de se alegrarem com a possibilidade de uma
escolha (inexistente por exemplo da geração das nossas avós), as mães e profissionais
de saúdes constroem autênticas trincheiras armadas em torno das suas
preferências, ridicularizando ou minimizando as escolhas das “outras”.
Mas a verdadeira guerra começa
depois do nascimento e muitas vezes com o leite, ou melhor, com a amamentação.
Existem as mães do centro da curva de Gauss, que amamentam alguns meses mais ou
menos até ao período do desmame (4-6meses), existem as mães que amamentam de 1
a 2 anos (seguindo mais ou menos as indicações da OMS), existem as mães que
gostariam de amamentar mas não podem por problemas vários, existem as mães que
não querem amamentar. Além destas existem todos os outros cambiantes que se
podem imaginar.
Normal, não? A única coisa “anormal”
é a guerra entre as facções mais ou menos extremas das que querem amamentar o
mais possível e as que querem amamentar o menos possível ou nada.
Já há algum tempo que andava a matutar nestas coisas, mas a malvada
crónica publicada pelo Público de uma tal Sofia Anjos (http://lifestyle.publico.pt/artigos/324603_as-maes-nao-se-medem-as-mamadas)
empurrou-me para a catarse escrita. A senhora é mãe de um bebé de três meses e
meio e tem-lhe dado para escrever sobre a experiência, não é a única. O problema
(a ser um problema) é que pelo menos nesta crónica, tem uma capacidade de
análise muito reduzida. Ao longo de uma página e meio de bocas disparadas a
torto e a direito contra as adeptas da amamentação prolongada, escreveu uma só
frase com a qual posso concordar: Sou
a favor da amamentação para quem o queira fazer, mas dá-me algum formigueiro
toda a panóplia de dissertações que colocam a amamentação num pedestal como se
isso definisse o tipo de mamã que vais ser.
E aqui tem razão. Existem realmente algumas mamãs
fundamentalistas da amamentação que parecem crer que é preciso amamentar até
aos 3 anos para que o miúdo não se desintegre e transforme num psicopático
inseguro ou por aí perto e que projectam essa paranoia sobre as outras mães. Sinto
até alguma empatia por uma mulher que decidiu parar de amamentar aos 3 meses
por motivos que só a ela dizem respeito (que pelo que me toque pode ser um
simples não gosto) e que sofre com os habituais conselhos não pedidos que
começam ao terceiro mês de gravidez. Mas minha senhora, aprenda lá a lidar com
isso.
Porque na verdade o que a Sra. Anjos faz é exactamente o
mesmo que fazem as senhoras de quem se queixa, mas em Público e com uma
capacidade de ridicularizar quase boçal. E é aqui que entro em choque frontal
com a cronista. Não é verdade como afirma ela que de momento está na moda
amamentar até muito tarde. É uma corrente relativamente recente e minoritária e
que tem vindo a ser apoiada pela OMS que tenta desmontar os mil e um mitos
associados à amamentação e encorajar as mamãs a amamentar superandos os
momentos difíceis associados (sim, é uma coisa muito natural, mas muito mais
difícil do que se poderia imaginar).
Para obter um bom resultado na ridicularização, a Sr. Anjos
usa expressões como ganha quem esguichar
mais, ou frases acusativas como Estão-se
nas tintas (as mães “fundamentalistas” que amamentam) se o bebé da outra vai ter todos os nutrientes, querem é saber se se
portaram melhor que as outras. Uma das piores para mim (e ninguém contesta
que o seu sentido de humor sarcástico tem uma certa piada) é que a amamentação para lá dos 6 meses é para
mulheres cujos empregos têm boas casas de banho, aqui o nível baixa muito,
como se já não bastasse as dificuldades associadas a continuar a dar de mamar
quando se volta ao trabalho (para aquelas que têm um trabalho para onde voltar)
a Sra. Anjos ainda usa uma metáfora que mete o tirar leite quase ao nível da
punheta do intervalo do café, como se fosse uma coisa vergonhosa. Não sei este
é um dos motivos pelos quais a Sra deixou de amamentar, a vergonha, e
sinceramente não tenho nada a ver com isso, mas é muito feio, numa sociedade
tão avessa à maternidade sentir-se no direito de publicamente fazer este tipo
de comparações, principalmente quando se é mulher (mas como já disse noutras
deambulações, não faltam por aí as mulheres machistas).
Continuamos com outras pérolas como o uso da palavras “tetas”
para se referir às mamas, uma clara comparação da mulher que amamenta a uma
vaca leiteira (bonito…) e por fim o cereja sobre o bolo: quanto aos pais, as mães pouco os deixam mamar nesta fase. À parte
o mau gosto da frase (mas isso é só a minha sensibilidade pessoal) a frase
irónica ilude certamente ao facto que durante a amamentação a mulher produza
prolactina, a hormona que induz a produção do leite mas que tem o efeito
colateral de baixar a líbido sexual. Talvez este tenha sido também um dos
motivos para deixar de dar mama ao seu filho: “deixar mamar o seu homem”,
espero que o não tenho feito por obrigação ou de uma maneira assim tão passiva
como o verbo “deixar” insinua. E pergunto-me também se andou a perguntar às
mães que dão mama se deixam “mamar” os homens e com que frequência, mas enfim,
mais uma vez, não são assuntos que me digam respeito.
É uma pena que as mulheres se façam isto. É uma pena que as
educadoras digam às mães que já é hora de parar de mamar, e que as mães que
amamentam façam as que não amamentam sentir-se diminuídas. É uma pena as que
decidem não dar de mamar ridicularizem as mães que amamentam e principalmente o
esforço que isso implica. Enfim. É uma pena que não possamos simplesmente tomar
as nossas decisões de forma informada e em paz com a nossa consciência, sem
termos que passar por vexames e perseguições sociais quase sempre perpetuados
por outras mulheres. É também uma pena que muitas mulheres e muitos homens continuem
a achar que isto são assuntos exclusivos das mulheres, como se as mulheres
tivessem os filhos sozinhas.
Enfim.
Quais serão as próximas guerras? Dar primeiro a cenoura ou a
maçã? Coca-cola aos dois ou aos quatro anos? Telefone aos 6 ou aos 12 anos?
Comprar-lhe a moto ou não? Haja paciência…
Permitam-me desta vez a mim dar um conselho não pedido: make
love, not war ;-)
Como te compreendo! Estive também a ler outros post ( o do Parto por exemplo ) e revejo - me nas tuas experiências. Sou italiana mas vivo em Lisboa desde o 2002 e fui mãe pela primeira vez no passado 2 de Junho do meu Santiago. Desejo te o melhor para ti e a tua família ! Um abraço , Stefania
ResponderEliminarObrigada Stefania. Quando me passar um bocadinho a esquizofrenia da neo-mamma gostaria de voltar a escrever sober a minha vida em Itália ;-)
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