Quando o ginecólogo me disse que o meu feijão era macho (um
ginecólogo particular, tipo um Dr. House da ginecologia), a minha reacção foi: que
raios faço eu com um garoto? A quem passarei a minha colecção de brincos, a
minha sabedoria “feminina” e todo o meu imenso mundo de “orgulho feminino”? É
claro que é o tipo de crise que passa depressa, em dois dias já tinha mudado
todas as minhas frequências mentais e descoberto todas as “vantagens” de meter
ao mundo um garoto.
Tínhamos partido com a ideia de manter o sexo do feijãozito
em segredo, mas depois não encontrámos nenhum motivo realmente convincente para
o fazer e a vontade de compartilhar levou a melhor, e eis-me a responder às
perguntas dos amigos-conhecidos-desconhecidos: é um “macho”.
Depois de ter sobrevivido aos ataques de festinhas à
barriga, aos inumeráveis conselhos sobre onde e como parir, às intermináveis
descrições de partos-monstruosos-que-mais-parecem-torturas, às considerações
sobre o que comer e o que não comer (vais mesmo beber esse café? Olha que faz
muito mal ao teu filho) e às mais variadas teorias sobre o significado da forma
das barrigas; nada me tinha preparado para o rol de reacções que a comunicação
de ter um filhote macho comporta.
Salva a possibilidade de que as pessoas para serem
simpáticas te digam que o que te calhou em sorte é o melhor possível, a verdade
é que a maioria das pessoas duplica os “parabéns” quando sabe que estás para
parir um macho. Estes parabéns depois são normalmente associados a frases do
tipo “ah, óptimo, bom trabalho”, “muito bem”, “oh! Óptimo, os rapazes são muito
melhores!”, ou então “que sorte! Os rapazes são muito mais ligados à mãe, vais
ver que te tratará como uma princesa”. Também existem as versões “negativas” ou
seja “oh, que sorte, as raparigas dão muito mais trabalho”, ou “ boa, as
meninas são muito piores” ou “é melhor um rapaz, as miúdas têm menos afinidade
com a mãe”. A ÚNICA pessoa que me sugeriu que teria sido melhor ter uma miúda
usou o profundo argumento de “não é mal, mas os rapazes são do mundo, ao menos
as garotas ficam connosco”.
Bom. Agora já estou “habituada”, que é como quem diz que
estes maravilhosos incentivos me entram por um ouvido e me saem por outro, mas
considerando que a grande maioria destas pérolas saem da boca de mulheres, não
deixa de me entristecer que existam tantos exemplares de fêmeas com um orgulho próprio
tão baixo para considerar – e dizer – que ter um macho é melhor.
Eu pessoalmente sinto-me profundamente ofendida por esta visão.
Não ofendida com estas mulheres em particular (talvez porque a única maneira de
superar estes comentários seja “despersonalizar” estas mulheres e metê-las em
gavetas classificativas), mas ofendida com a sociedade que faz estas mulheres
pensarem e sentirem deste modo sem sequer refletirem sobre as implicações
daquilo que estão a dizer. É óbvio, é uma sociedade preparada para acolher as
miúdas com alegria e amor, sem lhes reservar o destino da desilusão familiar
como acontece noutros países do mundo, ou nos nossos países noutros tempos. Mas
ainda assim a reacção primordial (em tanta gente) é aquela de valorizar a chegada
de mais um macho em relacção à chegada de mais uma fêmea. Como é triste
constatar esta preferência social, este favoritismo, principalmente quando
parte precisamente da parte de mulheres!
E isto é uma das coisas que me
entristece em particular, que tantas mulheres ainda sofram de um complexo de
inferioridade social, que as faz, por exemplo, preferir ter um filho macho
porque as tratará melhor e porque lhes dará menos preocupações (quando chegar
aos 15anos, intenda-se).
Enfim. Relato um conjunto de experiências muito concretas e
particulares, que não podem ser obviamente generalizadas e cuja única
importância é aquela de fazer-me reflectir como, ainda hoje, tantas mulheres
são os grandes vectores do machismo social, no modo como se exprimem, como
educam os filhos, e como aceitam papéis cristalizados de género para não
ficarem sozinhas ou para não serem “estranhadas”.
Sempre fui da opinião que o machismo é uma característica
sócio-cultural que não pode ser só considerada culpa do homem, mas que sobretudo
é uma “culpa” (não seguramente no sentido católico) da mulher. Concordo com
Augusto Boal que defende que o combate à opressão deve estar nas mãos do
oprimido e do mesmo modo o machismo como forma de opressão social deve ser
recusado e combatido principalmente pelas mulheres (e não só, até porque estou
convencida que o machismo comporta consideráveis desvantagens também para os
homens, mas isso é uma outra história).
Tive sempre a sorte de estar rodeada por homens não
machistas, e no meu círculo social prevalecem as mulheres auto-determinadas e
que recusam a prisão dos estereótipos de género cristalizados, mas apercebo-me
que em tantas pequenas coisas – para tanta gente – ser homem ou mulher ainda é
determinante para uma definição dos papéis sociais e familiares não só a nível
diferencial mas, sobretudo socialmente hierárquico.
Estou orgulhosa de esperar um filho, e estaria orgulhosa se
esperasse uma filha. Mas concretamente a única grande vantagem que vejo neste
momento em ter um filho, além de que provavelmente me gastará muito menos
dinheiros em artigos de higiene, é saber que ele – em comparação com uma filha –
terá um pouco mais de facilidade de integração social pois chegará a uma
sociedade feita à sua medida e que não o carregará à partida – só pelo seu sexo
– de uma enorme quantidade de complexos e imagens sociais de inferioridade que
terá que combater toda a vida. Mas espero ser capaz de educar um filho que um
dia fique tão feliz por ter uma filha como um filho e que não tenha nos seus
critérios de selecção de companheira o “ser capaz de tratar de uma casa”.
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